O exame de anticorpos ANCA (ANTI-CITOPLASMA DE NEUTRÓFILOS) é um dos exames mais importantes na investigação das vasculites autoimunes, especialmente aquelas que afetam vasos de pequeno calibre. Esses anticorpos anticitoplasma de neutrófilos ajudam médicos a identificar doenças inflamatórias graves, como a granulomatose com poliangiite (GPA) e a poliangiite microscópica (PAM).
Neste artigo, vou te explicar claramente, para que serve o exame ANCA, o significado dos padrões C-ANCA e P-ANCA, seus valores de referência e como interpretar os resultados de forma clínica e laboratorial.
O que são os Anticorpos ANCA e sua Relevância Clínica?
Os anticorpos ANCA (ANTI-CITOPLASMA DE NEUTRÓFILOS) são autoanticorpos dirigidos contra antígenos presentes no citoplasma dos neutrófilos e monócitos. Esses anticorpos desempenham um papel importante na identificação de vasculites associadas ao ANCA, um grupo de doenças autoimunes que causam inflamação dos vasos sanguíneos.
O exame ANCA tornou-se uma ferramenta essencial na reumatologia e imunologia clínica, auxiliando no diagnóstico diferencial entre vasculites sistêmicas, doenças infecciosas e inflamatórias não autoimunes.
A Importância do Exame ANCA no Diagnóstico Diferencial
O exame ANCA é solicitado para detectar a presença desses autoanticorpos e determinar se há padrão citoplasmático (C-ANCA) ou perinuclear (P-ANCA), fortemente associados a doenças específicas.
Para que serve o exame ANCA:
O exame auxilia no diagnóstico, monitoramento e acompanhamento da atividade inflamatória de vasculites, como a granulomatose com poliangiite (GPA) e a poliangiite microscópica (PAM). Além disso, a titulação do ANCA pode refletir a atividade da doença, sendo útil no controle terapêutico.
Interpretação dos Padrões de Imunofluorescência (IFI)
A técnica de imunofluorescência indireta (IFI) é o método clássico para a triagem de ANCA. O padrão fluorescente observado define o tipo de anticorpo presente:
O Padrão Clássico: C-ANCA e a Proteinase 3 (PR3)
O C-ANCA (citoplasmático) apresenta fluorescência granular difusa no citoplasma dos neutrófilos. Está fortemente associado ao antígeno Proteinase-3 (PR3).
Doença mais associada: Granulomatose com Poliangiite (GPA)
Antígeno-alvo: PR3
Significado clínico: indica vasculite necrosante com comprometimento respiratório e renal.
O Padrão Perinuclear: P-ANCA e a Mieloperoxidase (MPO)
O P-ANCA (perinuclear) apresenta fluorescência concentrada ao redor do núcleo dos neutrófilos. Está associado ao antígeno Mieloperoxidase (MPO).
Doença mais associada: Poliangiite Microscópica (PAM)
Antígeno-alvo: MPO
Significado clínico: sugere inflamação de pequenos vasos com predomínio renal e pulmonar.
ANCA e as Vasculites Associadas: Significado Clínico
Os anticorpos ANCA são marcadores fundamentais no diagnóstico das vasculites de pequenos vasos, especialmente nas vasculites associadas ao ANCA (AAV). O resultado deve sempre ser interpretado com base no quadro clínico e em outros exames laboratoriais, como PCR, Hemograma completo e creatinina sérica.
Granulomatose com Poliangiite (GPA): A Conexão com o ANCA PR3
A GPA é uma vasculite necrosante granulomatosa que afeta vias aéreas superiores, pulmões e rins.
Marcador sorológico: C-ANCA (PR3-ANCA)
Prevalência: cerca de 80% dos casos apresentam C-ANCA positivo.
Sintomas: sinusite crônica, hemoptise, glomerulonefrite e nódulos pulmonares.
Poliangiite Microscópica (PAM): Foco no ANCA MPO
A PAM é uma vasculite sistêmica sem formação de granulomas, predominantemente com P-ANCA (MPO-ANCA) positivo.
Acometimento renal: glomerulonefrite rapidamente progressiva.
Manifestações clínicas: febre, artralgia (dor articular), hemoptise (catarro com sangue) e proteinúria.
Outras Condições Associadas ao Padrão P-ANCA Atípico
O P-ANCA atípico pode aparecer em doenças não vasculíticas, como:
Doença inflamatória intestinal (retocolite ulcerativa, doença de Crohn)
Hepatite autoimune e colangite esclerosante primária
Por isso, o resultado positivo isolado deve ser sempre correlacionado ao contexto clínico e histórico do paciente.
Aplicações do ANCA no Monitoramento e Prognóstico de Vasculites
O monitoramento seriado do ANCA tem valor prognóstico em pacientes com vasculite já diagnosticada. A queda do título pode indicar remissão, enquanto elevações persistentes sugerem risco de recidiva.
ANCA como Fator Preditivo de Recidiva da Doença
Pacientes com GPA e PAM que mantêm altos títulos de ANCA PR3 ou MPO apresentam maior risco de reativação da doença. Por isso, sempre recomendo a dosagem periódica, é recomendada em protocolos de acompanhamento clínico.
O Papel da Titulagem de ANCA no Ajuste da Terapia
A titulagem quantitativa orienta o uso de imunossupressores, como corticosteroides, ciclofosfamida ou rituximabe, conforme a resposta inflamatória. Contudo, não deve ser usada isoladamente, o exame complementa, mas não substitui, a avaliação clínica.
Desafios e Futuro da Pesquisa do Exame ANCA
O avanço das técnicas de imunoensaio automatizado (ELISA de terceira geração) e testes multiplex aumenta a precisão diagnóstica do ANCA. Estudos buscam novos biomarcadores que diferenciem subtipos de vasculite e prevejam resposta terapêutica.
A integração entre biomarcadores laboratoriais e dados clínicos é o futuro da medicina personalizada nas vasculites associadas ao ANCA.
Valores de Referência do Exame ANCA
| Descrição do Parâmetro | Valor de Referência |
|---|---|
| ANCA Atípico | Não reagente |
| ANCA C (Citoplasmático) | Não reagente |
| ANCA P (Perinuclear) | Não reagente |
Alguns laboratorios usam a triagem realizada com soro na diluição 1/20.
A interpretação deve ser feita em conjunto com achados clínicos e laboratoriais complementares.
Conclusão
O exame ANCA é uma ferramenta indispensável na prática clínica moderna para diagnóstico, classificação e monitoramento das vasculites associadas ao ANCA. A correta interpretação dos padrões C-ANCA (PR3) e P-ANCA (MPO) permite identificar doenças graves como a GPA e a PAM, promovendo diagnóstico precoce e tratamento direcionado.
Com o avanço tecnológico e a integração de biomarcadores, o ANCA continuará sendo um dos pilares na avaliação das vasculites de pequenos vasos e no acompanhamento imunológico de pacientes com doenças autoimunes sistêmicas.
Perguntas Frequentes
Não é necessário jejum para a coleta do exame ANCA. No entanto, recomenda-se evitar o uso de medicamentos imunossupressores ou antibióticos nos dias que antecedem a coleta, salvo orientação médica contrária.
O exame ANCA é realizado com amostra de soro obtida a partir do sangue venoso. O material é processado por técnicas de imunofluorescência indireta (IFI) e/ou ELISA para detecção dos anticorpos PR3 e MPO.
Sim. Resultados falso-positivos podem ocorrer em doenças autoimunes não vasculíticas, infecções crônicas e hepatopatias. Por isso, o exame deve sempre ser interpretado em conjunto com o quadro clínico.
O ANCA atípico apresenta fluorescência difusa e irregular, não compatível com os padrões clássicos C ou P. É observado em doenças inflamatórias intestinais e hepáticas, enquanto o P-ANCA clássico está associado à vasculite.
O exame ANCA é solicitado quando há suspeita clínica de vasculites sistêmicas, principalmente diante de sintomas como febre persistente, perda de peso, sinusite crônica, hemoptise ou alterações renais sem causa definida.
- FALK, R. J.; JENNETTE, J. C. ANCA-associated vasculitis: Pathogenesis, classification, and diagnosis. New England Journal of Medicine, v. 389, n. 4, p. 341–353, 2023.
- BOSCH, X.; STONE, J. H. Clinical approach to the patient with ANCA-associated vasculitis. Rheumatology (Oxford), v. 61, n. 5, p. 1830–1841, 2022.
- YATES, M.; JAYNE, D. ANCA-associated vasculitis: Diagnostic advances and therapeutic perspectives. Diagnostics (Basel), v. 12, n. 3, p. 681, 2022.
- HILHORST, M.; LIONAKIS, M. S. Advances in ANCA testing and immunopathogenesis. Frontiers in Immunology, v. 12, p. 674138, 2021.
- KDIGO. Clinical Practice Guideline for Glomerulonephritis. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO), 2012.

Lincoln Soledade, – Biomédico CRBM 41556/ES. Mestrando em Gestão em Saúde Pública. Especialista em Patologia Clínica e pós-graduado em Estética Avançada, atua desde 2018 na área de diagnóstico clínico hospitalar. Ao longo de sua trajetória, tem se dedicado à aplicação rigorosa do conhecimento científico para promover diagnósticos precisos, contribuindo significativamente para a qualidade do cuidado em saúde.

