As vasculites representam um grupo complexo de doenças caracterizadas pela inflamação dos vasos sanguíneos, que pode comprometer artérias, veias e capilares de diferentes calibres. Essa inflamação altera a parede vascular, comprometendo o fluxo sanguíneo e podendo causar lesões em órgãos vitais como rins, pulmões, pele e sistema nervoso.
Compreender as causas, os tipos e os tratamentos das vasculites é fundamental, pois o diagnóstico precoce faz toda a diferença na evolução da doença e na qualidade de vida do paciente.
O que é vasculite?
A vasculite é uma doença inflamatória dos vasos sanguíneos, causada por um desequilíbrio no sistema imunológico. Esse processo leva à destruição parcial ou total da parede dos vasos, com formação de trombos e redução do suprimento de oxigênio para os tecidos.
O termo “vasculites sistêmicas” se refere às formas em que múltiplos órgãos são afetados, enquanto as vasculites localizadas atingem somente uma região, como a pele.
Por que as vasculites ocorrem
A origem exata das vasculites ainda é tema de intensos estudos. Entretanto, sabe-se que a maioria está relacionada a respostas autoimunes — quando o corpo passa a atacar seus próprios vasos sanguíneos.
Entre os principais fatores desencadeantes, destacam-se:
- Infecções virais e bacterianas; 
- Uso de medicamentos (reações a antibióticos e anti-hipertensivos); 
- Doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide; 
- Exposição a toxinas ambientais; 
- Alterações genéticas e disfunções imunológicas. 
Esse conjunto de mecanismos resulta em uma inflamação vascular progressiva, com dano direto à estrutura dos vasos e consequente isquemia (redução ou bloqueio do fluxo sanguíneo) para os tecidos.
Classificação das vasculites
A classificação das vasculites é baseada principalmente no calibre dos vasos atingidos, segundo o Consenso de Chapel Hill (2012). Essa categorização é essencial para o diagnóstico e o manejo adequado.
Vasculites de grandes vasos
Atingem grandes artérias, como a aorta e seus ramos principais.
- Arterite de Takayasu: afeta principalmente mulheres jovens, levando à diminuição de pulsos arteriais e hipertensão. 
- Arterite de Células Gigantes (ACG): mais comum em idosos, causa cefaleia (dor de cabeça), claudicação mandibular (dor nos músculos da mandíbula) e risco de perda visual. 
Vasculites de médios vasos
Comprometem artérias de médio calibre que irrigam órgãos internos.
- Poliarterite Nodosa (PAN): associada ao vírus da hepatite B, provoca dor abdominal, neuropatia e lesões cutâneas. 
- Doença de Kawasaki: típica da infância, causa febre prolongada, linfonodos aumentados e risco de aneurisma coronariano. 
Vasculites de pequenos vasos
Afetam arteríolas, capilares e vênulas. São as mais comuns e frequentemente associadas à presença de anticorpos ANCA (Anticitoplasma de Neutrófilos).
- Granulomatose com Poliangiite (GPA): conhecida como Wegener, afeta vias respiratórias e rins. 
- Poliangiite Microscópica (PAM): causa glomerulonefrite rapidamente progressiva. 
- Granulomatose Eosinofílica com Poliangiite (GEPA): ligada à asma e eosinofilia. 
- Vasculite por IgA (Púrpura de Henoch-Schönlein): comum em crianças, causa púrpura cutânea, dor abdominal e artralgia (dor articular). 
Outras formas incluem vasculite crioglobulinêmica, vasculite leucocitoclástica cutânea, doença de Behçet e urticária-vasculite.
Fisiopatologia e papel do sistema imunológico
O processo central nas vasculites envolve a ativação descontrolada do sistema imune. Os anticorpos ANCA reconhecem proteínas dos neutrófilos, levando à liberação de mediadores inflamatórios e destruição da parede vascular (vasculite pauci-imune).
Em outros casos, ocorre deposição de complexos imunes, ativação do complemento e dano endotelial (vasculite por imunocomplexos). A resposta inflamatória crônica provoca necrose, fibrose e estreitamento dos vasos.
Sinais e sintomas das vasculites
Os sintomas variam conforme o tipo e os órgãos atingidos, mas geralmente incluem:
- Febre e fadiga persistente; 
- Perda de peso inexplicável; 
- Dores musculares e articulares; 
- Lesões cutâneas (púrpura, úlceras, manchas violáceas); 
- Tosse com sangue, dispneia e dor torácica; 
- Alterações renais (hematúria, proteinúria); 
- Distúrbios neurológicos e visuais. 
Devido à sua natureza multissistêmica, o diagnóstico exige uma abordagem integrada entre reumatologistas, nefrologistas e imunologistas.
Diagnóstico das vasculites
O diagnóstico baseia-se na combinação de critérios clínicos, laboratoriais e histológicos.
Entre os principais exames solicitados estão:
- Velocidade de hemossedimentação (VHS) e PCR — marcadores de inflamação; 
- Função renal (ureia, creatinina e urinálise); 
- Biópsia de tecido afetado, confirmando inflamação vascular; 
- Angiografia e ressonância magnética para avaliar o comprometimento vascular. 
O diagnóstico precoce é decisivo para prevenir complicações graves, como insuficiência renal ou aneurismas.
Tratamento das vasculites
O tratamento depende do tipo, gravidade e órgãos envolvidos, mas o objetivo principal é controlar a inflamação e evitar danos permanentes.
Terapia medicamentosa
- Corticosteroides — primeira linha para reduzir rapidamente a inflamação. 
- Imunossupressores — como ciclofosfamida, azatioprina e metotrexato, usados em fases de manutenção. 
- Rituximabe — terapia biológica que bloqueia linfócitos B, eficaz em vasculites ANCA-positivas. 
- Plasmaférese — indicada em casos graves com falência renal ou hemorragia pulmonar. 
- Imunoglobulina intravenosa (IVIG) — especialmente útil na doença de Kawasaki. 
Suporte e acompanhamento
Além da terapia imunológica, o paciente deve:
- Manter seguimento regular com reumatologista; 
- Evitar infecções (vacinação atualizada); 
- Controlar pressão arterial e função renal; 
- Adotar alimentação equilibrada e prática leve de exercícios. 
O tratamento deve ser individualizado, e a adesão rigorosa é fundamental para evitar recidivas.
Prognóstico e complicações
Com diagnóstico precoce e tratamento adequado, muitas vasculites apresentam remissão completa. Entretanto, a recorrência é comum, exigindo acompanhamento contínuo.
Complicações incluem insuficiência renal crônica, neuropatias periféricas, hemorragias pulmonares e eventos trombóticos. O uso prolongado de corticosteroides também requer monitoramento devido a possíveis efeitos adversos (osteoporose, diabetes, infecções oportunistas).
Perguntas Frequentes
A vasculite primária ocorre sem uma causa identificável, sendo uma doença autoimune isolada. Já a vasculite secundária é consequência de outra condição, como infecção, neoplasia ou reação a medicamentos.
Além dos exames de sangue e ANCA, a biópsia do tecido afetado é essencial. Exames de imagem como angiotomografia e ressonância ajudam a avaliar a extensão do comprometimento vascular.
Não. A vasculite não afeta apenas a pele. Embora as manifestações cutâneas sejam frequentes, essa inflamação pode atingir vasos sanguíneos de qualquer calibre em diferentes partes do corpo, incluindo órgãos internos como rins, pulmões e sistema nervoso. A gravidade da doença depende dos vasos e dos órgãos comprometidos.
Sim, mas com orientação médica. Em pacientes imunossuprimidos, vacinas com vírus vivos devem ser evitadas. A vacinação é importante para prevenir infecções durante o tratamento.
Não há herança direta. Contudo, fatores genéticos podem aumentar a predisposição, principalmente em doenças autoimunes associadas.
O reumatologista é o principal especialista responsável pelo diagnóstico e tratamento da vasculite, com apoio de nefrologistas, dermatologistas e imunologistas conforme os órgãos afetados.
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Lincoln Soledade, – Biomédico CRBM 41556/ES. Mestrando em Gestão em Saúde Pública. Especialista em Patologia Clínica e pós-graduado em Estética Avançada, atua desde 2018 na área de diagnóstico clínico hospitalar. Ao longo de sua trajetória, tem se dedicado à aplicação rigorosa do conhecimento científico para promover diagnósticos precisos, contribuindo significativamente para a qualidade do cuidado em saúde.


