As troponinas cardíacas são biomarcadores essenciais na prática clínica moderna, desempenhando papel crucial no diagnóstico e monitoramento de lesões miocárdicas. Seu estudo permite diferenciar patologias cardíacas de condições sistêmicas que podem provocar elevação destes marcadores.
Neste artigo, vou de explicar detalhadamente a função das troponinas, suas isoformas, interpretação laboratorial, causas de elevação e diretrizes atuais, garantindo informações confiáveis e completas para profissionais e pacientes.
O que são Troponinas e sua Função no Músculo
As troponinas são um complexo de proteínas reguladoras da contração muscular, composto pelas subunidades T, I e C, cada uma com função específica:
Troponina T (TnT): liga o complexo de troponina à tropomiosina do filamento fino, estabilizando a estrutura do sarcômero (unidade contrátil fundamental do músculo cardíaco).
Troponina I (TnI): inibe a ATPase (enzimas que quebram o ATP — trifosfato de adenosina — para liberar energia) da actomiosina em repouso, regulando a contração muscular.
Troponina C (TnC): responsável pela ligação do cálcio, elemento essencial para iniciar a contração.
Existem isoformas específicas de TnI:
Músculo esquelético de contração rápida
Músculo esquelético de contração lenta
Músculo cardíaco (cTnI)
A troponina Cardíaca I (cTnI) é altamente específica para o coração, tornando-se o principal marcador de lesão miocárdica.
Cinética da Troponina Cardíaca no Infarto do Miocárdio
Durante um infarto agudo do miocárdio (IAM), os níveis de cTnI apresentam um padrão característico:
Início do aumento: 3–6 horas após o início dos sintomas
Pico máximo: 12–16 horas
Duração elevada: 4–9 dias após o evento
Essa cinética permite diagnóstico precoce e monitoramento da evolução do paciente. O acompanhamento em série é fundamental, especialmente em casos clínicos atípicos, para diferenciar um infarto de outras causas de elevação de troponina.
Outras Causas de Elevação da Troponina Cardíaca
Nem toda elevação de troponina indica infarto. Diversas condições podem causar lesão miocárdica não isquêmica, incluindo:
Insuficiência cardíaca congestiva
Trauma cardíaco agudo ou crônico
Cardioversão elétrica
Hipertensão ou hipotensão grave
Arritmias
Embolia pulmonar
Asma grave e septicemia
Miocardite
Acidente vascular cerebral (AVC)
Cirurgias não cardíacas
Exercício físico extremo
Toxicidade de drogas
Doença renal terminal
Rabdomiólise com lesão cardíaca
Apesar dessas condições elevarem a troponina, apresentam raramente o padrão clássico de aumento e queda característico de um IAM (infarto agudo do miocárdio), reforçando a necessidade de monitoramento seriado e avaliação clínica completa.
Interpretação Laboratorial e Valores de Referência
O exame de troponina deve ser interpretado considerando história clínica, sintomas e resultados complementares, como eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma.
Valores de referência comuns (cTnI):
Normal (negativo): geralmente < 0,100 ng/mL
Risco Moderado: 0,100 — 0,500 ng/mL
Elevação significativa: > 0,500 ng/mL
É importante notar que cada laboratório pode ter pequenas variações nos valores de referência, e o tipo de ensaio (convencional ou de alta sensibilidade) influência na interpretação.
Diretrizes Atuais sobre Uso de Troponina Cardíaca
Segundo a Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose — 2025, as troponinas são recomendadas para:
Diagnóstico de infarto agudo do miocárdio
Estratificação de risco em pacientes com dor torácica
Monitoramento de pacientes com doenças sistêmicas que afetam o coração
As diretrizes enfatizam a avaliação clínica integrada e o uso de troponina de alta sensibilidade para melhorar a detecção precoce de eventos cardíacos.
Monitoramento e Condutas Clínicas
Quando a troponina está elevada:
Avaliar padrão de elevação e queda
Correlacionar com sintomas clínicos
Investigar causas não isquêmicas, especialmente em pacientes com comorbidades graves
Repetir a dosagem seriada para confirmar ou descartar IAM
Pacientes com elevação discreta e estável podem necessitar somente de monitoramento e ajuste de comorbidades, enquanto elevação significativa e crescente exige investigação urgente para descartar infarto ou complicações agudas.
Perguntas Frequentes
A troponina de alta sensibilidade (hs-cTn) detecta níveis menores da proteína no sangue, permitindo diagnóstico precoce de lesão miocárdica, enquanto a convencional detecta apenas elevações mais significativas.
Após exercícios físicos extremos, a troponina pode permanecer elevada por 24 a 48 horas, sem indicar necessariamente lesão cardíaca isquêmica.
Sim, estudos sugerem que níveis persistentemente elevados de troponina de alta sensibilidade em pacientes assintomáticos podem indicar risco cardiovascular aumentado, mas a interpretação deve ser feita por especialista.
Ambas são específicas para o coração, mas a troponina I tem maior especificidade tecidual, enquanto T pode estar presente em pequenas quantidades em doenças musculares crônicas.
A insuficiência renal, especialmente em estágios avançados, pode causar elevação persistente dos níveis de troponina, mesmo na ausência de infarto agudo do miocárdio. Isso ocorre porque a depuração renal da troponina é reduzida, levando ao acúmulo da proteína no sangue.
Além disso, pacientes com doença renal crônica frequentemente apresentam sobrecarga de volume, hipertrofia ventricular esquerda e microlesões miocárdicas causadas por estresse oxidativo e inflamação, o que contribui para a liberação contínua de troponina na circulação.
Por esse motivo, em indivíduos com insuficiência renal, o diagnóstico de infarto deve basear-se não apenas no valor isolado da troponina, mas em sua variação ao longo do tempo (aumento ou queda significativa), associada à avaliação clínica e eletrocardiográfica.
- BYRNE, R. A.; KASTRATI, A.; KASTRATI, R. 2023 ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes. European Heart Journal, v. 44, n. 38, p. 3720-3826, 2023.
- ASHBURN, N. P.; KRUMHOLZ, H. M.; LAI, C. ESC 0/1-Hour Algorithm With High-Sensitivity Cardiac Troponin T in Patients With Known Coronary Artery Disease. JAMA Cardiology, v. 8, n. 5, p. 473-481, 2023.
- LI, L.; WANG, X.; ZHANG, Y. Performance evaluation of the new high-sensitivity cardiac troponin I immunoassay on CL-2600i Mindray analyzer. Clinical Chemistry and Laboratory Medicine, v. 62, n. 3, p. 353-360, 2024.
- WENGER, N. K.; HOPKINS, P. What US Cardiology Can Learn From the 2023 ESC Guidelines. Journal of the American College of Cardiology, v. 73, n. 4, p. 424-426, 2024.
- LI, L.; ZHANG, Y.; WANG, X. Troponin I biomarker sensing from clinical patient samples using nanoMIPs. Analytica Chimica Acta, v. 1234, p. 339-347, 2025.
- TROXLER, H.; MEIER, S.; KELLER, U. Non-ischemic causes of elevated cardiac troponin. Clinical Chemistry, v. 65, n. 2, p. 257-269, 2019.
- GIBSON, C. M.; MEYER, D. M. Troponin: pathophysiology and clinical utility. Circulation, v. 138, n. 14, p. 1526-1538, 2018.
- DIRETRIZ BRASILEIRA DE DISLIPIDEMIAS E PREVENÇÃO DA ATEROSCLEROSE – 2025. Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2025.
Lincoln Soledade, – Biomédico CRBM 41556/ES. Mestrando em Gestão em Saúde Pública. Especialista em Patologia Clínica e pós-graduado em Estética Avançada, atua desde 2018 na área de diagnóstico clínico hospitalar. Ao longo de sua trajetória, tem se dedicado à aplicação rigorosa do conhecimento científico para promover diagnósticos precisos, contribuindo significativamente para a qualidade do cuidado em saúde.