A eletroforese de hemoglobina é um exame essencial para detectar alterações quantitativas e qualitativas das frações de hemoglobina no sangue. Com base no padrão encontrado, é possível diagnosticar e acompanhar doenças como anemia falciforme, talassemias e outras hemoglobinopatias hereditárias.
Neste artigo, vou te explicar como interpretar os resultados da eletroforese de hemoglobina e conhecer as principais causas para alterações encontradas nos exames laboratoriais. Primeiro vamos entender os valores de referência.
Valores de Referência da Eletroforese de Hemoglobina
Tipo de Hemoglobina | Valor de Referência em Adultos |
---|---|
Hemoglobina A1 (HbA1) | 96,7 – 97,8% |
Hemoglobina A2 (HbA2) | 2,2 – 3,2% |
Hemoglobina Fetal (HbF) | ≤ 0,5% |
Interpretação da Eletroforese de Hemoglobina
Hemoglobina A1 (HbA1)
É a forma predominante em adultos saudáveis.
Valores normais (96,7–97,8%): Esperado em indivíduos sem alterações hematológicas.
- HbA1 < 95%:
Sugere presença de outras frações anormais (HbS, HbC, HbE, HbF).
Possíveis causas:
Anemia falciforme (HbSS)
Traço falciforme (HbAS)
Talassemias
Outras variantes de hemoglobina
Hemoglobina A2 (HbA2)
Importante para o diagnóstico de talassemias.
Valores normais (2,2–3,2%): Condição saudável.
HbA2 > 3,5%:
Sinal clássico de beta-talassemia minorHbA2 < 2%:
Pode ocorrer em:
Alfa-talassemia
Hemoglobinopatias raras
Hemoglobina Fetal (HbF)
Normalmente presente somente em recém-nascidos. Em adultos, níveis elevados são anormais.
HbF ≤ 0,5%: Normal
HbF > 1–2%:
Causas comuns:
Anemia falciforme ou traço falciforme
Beta-talassemia maior ou intermediária
Síndromes mielodisplásicas
HPFH (persistência hereditária da Hb fetal)
Uso de medicamentos (ex: hidroxiureia)
Resumo de Interpretação da Eletroforese de Hemoglobina
A seguir, elaborei uma tabela-resumo que sintetiza os achados mais comuns da eletroforese de hemoglobina, visando auxiliar na interpretação clínica dos resultados.
Fração | Valor Normal | Valores Elevados – Causas Possíveis | Valores Reduzidos – Causas Possíveis |
---|---|---|---|
HbA1 | 96,7–97,8% | Raro (>98%) | Anemia falciforme, talassemia, HbC/E |
HbA2 | 2,2–3,2% | Beta-talassemia minor (>3,5%) | Anemia ferropriva, alfa-talassemia |
HbF | ≤ 0,5% | Talassemias, falcêmicos, HPFH | Normalmente indetectável |
Gráfico – Faixas de Referência da Eletroforese de Hemoglobina
A seguir, apresento um gráfico com as faixas de referência consideradas fisiologicamente normais para os diferentes tipos de hemoglobinas, com o intuito de auxiliar na análise e interpretação dos perfis.
Nota: Frações como HbS, HbC, HbE e HbD aparecem apenas em casos anormais e substituem parcialmente HbA1.
Consulte também o artigo completo sobre a eletroforese de hemoglobina.
Interpretação de Resultados Alterados na Eletroforese de Hemoglobina
Quando há presença de HbS (Hemoglobina S):
Traço falciforme (HbAS): HbA1 normal, com até 40% de HbS.
Anemia falciforme (HbSS): Ausência de HbA1, presença predominante de HbS.
Quando há presença de HbC, HbD ou HbE:
Indicam hemoglobinas variantes.
Causas comuns:
HbC: origem africana, pode causar anemia leve.
HbD/E: geralmente benignas quando isoladas, mas podem causar sintomas se combinadas com HbS.
Tabela 1 – Interpretação de Causas Comuns de Alterações na Eletroforese de Hemoglobina
Tipo de Alteração | Possível Diagnóstico |
---|---|
↑ HbA2 | Beta-talassemia menor |
↑ HbF | Anemia falciforme, beta-talassemia maior, HPFH |
↓ HbA1 | Presença de HbS, HbC, HbE |
↑ HbS | Anemia falciforme, traço falciforme |
HbC, HbD ou HbE detectadas | Hemoglobinopatias específicas |
Diagnóstico a partir dos Resultados Alterados da Eletroforese de Hemoglobina
1. Anemia Falciforme
HbS presente em alta proporção (> 80% em HbSS)
HbF também pode estar aumentada
2. Traço Falciforme
HbA1 predominante, HbS entre 30–40%
Assintomático, mas genético
3. Beta-talassemia minor
HbA2 aumentada (> 3,5%)
HbA1 pode estar normal ou ligeiramente reduzida
4. Beta-talassemia maior
HbF muito aumentada
HbA1 ausente ou drasticamente reduzida
Anemia grave desde a infância
5. Alfa-talassemia
HbA2 reduzida ou normal
Pode passar despercebida no exame
6. Persistência hereditária de hemoglobina fetal (HPFH)
HbF aumentada (> 10%)
Condição benigna
Tabela 2 – Exemplos de Padrões Alterados na Eletroforese de Hemoglobina
Visando facilitar a compreensão técnica, disponibilizo uma tabela a seguir com exemplos ilustrativos.
Condição | HbA1 (%) | HbA2 (%) | HbF (%) | HbS (%) | Observação |
---|---|---|---|---|---|
Normal | 96,7 | 2,8 | 0,3 | 0 | Adulto saudável |
Traço Falciforme | 57 | 2,6 | 0,6 | 40 | Portador, assintomático |
Anemia Falciforme (HbSS) | 0 | 0 | 10 | 90 | Doença grave |
Beta-talassemia minor | 93 | 4,5 | 0,5 | 0 | Leve, hereditária |
Beta-talassemia maior | 0 | 0 | 98 | 0 | Sem HbA1, grave |
Alfa-talassemia | 95 | 1,6 | 0,3 | 0 | Pode confundir com ferropriva |
HPFH | 88 | 2 | 10 | 0 | Benigna, sem sintomas |
Conclusão
Alterações na eletroforese de hemoglobina são indicativos importantes de condições hereditárias que podem variar de traços silenciosos a doenças graves. Saber interpretar os resultados é essencial para o diagnóstico precoce, o aconselhamento genético e o acompanhamento adequado.
Se o seu exame apresentou alterações, mantenha a calma, evite automedicação e procure um médico para uma avaliação completa.
Veja também o artigo sobre Hemograma Completo
BAIN, Barbara J. Haematology: A Core Curriculum. 1. ed. Elsevier, 2021.
HOFFBRAND, A. Victor; MOSS, Paul A. H. Essential Haematology. 8. ed. Wiley-Blackwell, 2019.
KLEE, George G.; WATSON, Michael S. Hemoglobinopathies: Current Practices for Screening and Diagnosis. Clinical Chemistry, v. 58, n. 2, p. 241–245, 2012.
WHO – World Health Organization. Sickle-cell disease: a strategy for the WHO African Region. Geneva: WHO, 2010.
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual Técnico de Hemoglobinopatias. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
ARAÚJO, R. A. et al. Eletroforese de hemoglobina como método de triagem neonatal. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, v. 34, n. 3, p. 206–210, 2012.
SILVA, R. A. et al. Prevalência de hemoglobinopatias em recém-nascidos brasileiros. Jornal de Pediatria, v. 87, n. 3, p. 229–234, 2011.
FUNDAÇÃO HEMOMINAS. Doenças Falciformes: Diagnóstico e Monitoramento. Belo Horizonte: Hemominas, 2015.
Dúvidas Frequentes
Geralmente, o resultado sai em 1 a 3 dias úteis, varia entre laboratórios.
Sim, o exame é coberto pelo SUS e pela maioria dos convênios médicos.
É preferível evitar o exame durante a menstruação, pode interferir no resultado. Se necessário, informe o laboratório ou o médico.
Lincoln Soledade, – Biomédico CRBM 41556/ES. Mestrando em Gestão em Saúde Pública. Especialista em Patologia Clínica e pós-graduado em Estética Avançada, atua desde 2018 na área de diagnóstico clínico hospitalar. Ao longo de sua trajetória, tem se dedicado à aplicação rigorosa do conhecimento científico para promover diagnósticos precisos, contribuindo significativamente para a qualidade do cuidado em saúde.